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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O CAPITÃO GASTÃO SOUSA DIAS E O SEU TEMPO


O MEU TIO GASTÃO


Corria o longínquo ano de 1938, quando o meu tio Gastão, de férias em Chaves, vindo de Angola, onde era professor no Liceu Diogo Cão, convenceu a minha Mãe Ernestina Sousa Dias, sua irmã mais nova, a deixar-me ir para Angola, a fim de lá estudar e viver com ele e sua mulher, minha tia Maria Amélia. A minha Mãe, tendo ficado viúva de Luís Augusto dos Reis, meu Pai, muito cedo, e com quatro filhos para criar, acabou por anuir, consciente como estava das extraordinárias qualidades pessoais do meu tio.
A adaptação a uma nova realidade, e a frequência do Liceu Diogo Cão, com apenas 11 anos de idade, não foi difícil para mim, sobretudo pelo apoio e pelas características humanas e intelectuais do meu tio.
Na verdade, para além da sua grandeza humana e ampla cultura geral, o meu tio facilmente leccionava cadeiras do ensino superior, com elevado mérito e competência, sobressaindo a matemática, que ele muito apreciava. Nas aulas de estudo, que funcionavam no internato de apoio ao Liceu, para os alunos provenientes de outras zonas de Angola, que não da Huíla (Sá da Bandeira), o meu tio era o professor mais solicitado pelos alunos para esclarecimento sobre várias disciplinas, mesmo algumas que não eram as suas.
Para além de republicano convicto, possuía uma capacidade exímia para escrever, o que fazia regularmente, tendo a colaboração da minha tia Maria Amélia, sobretudo na revisão dos textos.
Ora, a minha tia, sobrinha do Coronel Augusto Ribeiro de Carvalho, comandante de Infantaria do Regimento de Chaves, possuía uma ampla e elevada cultura, pouco vulgar na época, e que era muito apreciada pelo meu tio, sobretudo pela valiosa colaboração que lhe prestava na revisão dos textos, como referi anteriormente.
Mas, de todas as características que o distinguiam, as que mais apreciava nele, eram a compreensão, a procura de isenção e justiça, e a capacidade pedagógica para leccionar e, sobretudo, o gosto com que o fazia, tornando fácil para o aluno aquilo que, inicialmente, parecia difícil. Nasceu para ser professor e foi sempre a pessoa certa para ensinar, desenvolvendo modelos de comportamento, de compreensão e civismo que deveriam ser a imagem na sociedade de então.
O meu tio Gastão e o Cónego da Catedral de Luanda, Alves da Cunha, nosso conterrâneo, eram as duas pessoas que melhor conheciam a História de Angola, sendo, por esse facto, reconhecidos com todo o mérito.
O Cónego Alves da Cunha, também ele natural de Chaves, e nosso amigo comum, era uma pessoa muito considerada e respeitada no universo angolano, tendo como sua imagem de marca, ajudar os transmontanos que, frequentemente, chegavam a Luanda à procura de emprego e de uma vida melhor do que na sua terra natal.
Também não posso esquecer a sua última aula, organizada pela reitoria do Liceu Diogo Cão, ocorrida no anfiteatro do ginásio, à qual assistiram, naturalmente, as autoridades de Sá de Bandeira, e algumas centenas de alunos e ex-alunos que ali se dirigiram, vindos das localidades mais recônditas de Angola, para assistirem a tão justa homenagem à pessoa que mais tinha contribuído, pela sua dedicação, amor e entrega, para a formação humana, cultural e social de tanta juventude que teve a honra de o ter como mestre e pedagogo. Também recordo a viagem que eu próprio, o Vasco Sousa Dias, seu filho, o Fernando Padrão e o Rui Lara, seus antigos alunos, fizemos, desde Nova Lisboa a Sá da Bandeira para também assistirmos à mais bela cerimónia de homenagem, ao homem e professor, que nos tinha marcado, positivamente, para toda a nossa vida.
Deixando de parte outras recordações, por serem demasiado extensivas, mas que retive na memória para sempre, refiro, apenas, o seu ato de coragem e patriotismo ao participar na primeira Guerra Mundial e, igualmente, por ter sido o primeiro a hastear a Bandeira da República no Castelo de Chaves, após a implantação da República.
Para terminar, trago ao conhecimento de todos o seu espírito de amizade e, por vezes também, o seu bom humor, lembrando uma pequena história que, um dia, lhe ouvi contar:
“Quando da visita a Chaves do Rei D. Dinis, como era usual verificar-se, várias figuras locais foram-no cumprimentar. E, entre outros, eis que um abastado agricultor presenteou-o com um agradável e apetitoso cesto de figos, fruta da época. Exagerando, porém, nos cumprimentos e no discurso, o agricultor começou por tratar o Rei, primeiro por digníssimo soberano, depois por alteza e, mais tarde por excelência, altura em que o Rei, chamando alguém do seu séquito, lhe disse: «Dá-lhe com os figos no cú, antes que me trate por tu» ”!
Hoje em dia, existem poucos homens como o meu tio GASTÃO, para que o mundo pudesse ser aquele OÁSIS que, certamente, a NATUREZA pretendia que fosse.


Miratejo, 24 de Novembro de 2016

Manuel Sousa Dias Reis



 O CAPITÃO GASTÃO SOUSA DIAS E O SEU TEMPO


A primeira metade do século XX foi marcada, em Chaves, por várias personalidades de grande dimensão humana, que ali nasceram ou viveram e que influenciaram significativamente, quer o quotidiano, quer a forma de pensar da sua gente. Algumas dessas personalidades alcançaram verdadeira relevância nacional, nuns casos mais duradoura do que noutros, permanecendo ainda hoje vivamente na memória de muitos flavienses. São, entre outros, os casos de: Augusto César Ribeiro de Carvalho (Chaves, 1857 – 1940) e o seu filho António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho (Chaves, 1889 – Lisboa, 1967), aclamados como heróis nacionais pelos seus feitos militares; Cândido Narciso da Cunha Sotto Mayor (Lebução, Valpaços, 1852 – Lisboa, 1935), o banqueiro e grande benemérito da cidade de Chaves; Artur Maria Afonso (Montalegre, 1882 – Chaves, 1961), por alguns considerado como o maior poeta flaviense de sempre; António Joaquim Granjo (Chaves, 1881 – Lisboa, 1921), político de grande influência na vila de Chaves do primeiro período da República e cujo destino trágico tanto emocionou o país inteiro; José Timóteo Montalvão Machado (Chaves, 1892 – Lisboa, 1985), médico e estudioso de múltiplos interesses.
Está bom de ver que estes flavienses não surgiram no deserto. Outros houve que, no mesmo ambiente, desenvolveram semelhantes capacidades e as mesmas qualidades de carácter, traduzidas em vidas dignas e obras meritórias. Não se pode estranhar que estejam entretanto largamente esquecidos. Tanto nos indivíduos como nas sociedades, o esquecimento é uma parte do processo natural de adaptação a circunstâncias novas. O silêncio quase absoluto de hoje a seu respeito é, afinal, um sinal pungente de como essas circunstâncias mudaram dramaticamente. Se hoje, entretanto, mantemos admiração por esses nossos maiores, é porque reconhecemos neles qualidades que continuamos a valorizar. E assim, parece claro o proveito que haverá no conhecimento mais detalhado de tais figuras. Seremos com certeza capazes de compreender melhor quem somos e quem queremos ser se pudermos lembrar o que foram e o que fizeram e qual o exemplo que nos deixaram homens como o Capitão Gastão Sousa Dias.
Gastão Sousa Dias foi um militar, professor e publicista que se distinguiu sobretudo pela sua intervenção cívica no período entre a instauração da República em Portugal e o ano da sua morte, em 1954. Foi uma das figuras mais destacadas na sociedade flaviense da Primeira República, que defendeu como militar, como jornalista e como pedagogo. Em 1923 foi para Angola, onde, a par de Bento Esteves Roma (Chaves, 1884 – Lisboa, 1953), Monsenhor Manuel Alves da Cunha (Chaves, 1872 – Luanda, 1947) ou José Agapito Montalvão da Silva Carvalho (Chaves, 1897 – Lisboa, 1957), foi um dos magníficos flavienses que tiveram em mãos grande parte dos destinos daquela antiga colónia portuguesa.
  



Todos os factos apresentados neste esboço biográfico podem ser comprovados documentalmente. Não se trata, no entanto, dum estudo de História. Pretende ser, apenas, uma forma de divulgação dum flaviense insigne, ao mesmo tempo que são apresentados alguns elementos que permitam uma melhor compreensão da sua obra e do seu percurso de vida.



José Pedro Verdelho Alves