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sábado, 16 de junho de 2012

Uma ponte de cultura uniu transmontanos e galegos em Montalegre


Promovido pelo Fórum Galaico-Transmontano, o 2º Encontro de Jornalistas e Escritores do Alto Tâmega, Barroso e Galiza foi uma jornada cultural intensa em terras Barrosãs.

Desde palestras e apresentações de livros a debates culturais e uma exposição sobre a imprensa regional, o 2º Encontro de Jornalistas e Escritores do Alto Tâmega, Barroso e Galiza, que decorreu no passado sábado 2 de Junho no Multiusos de Montalegre, revelou-se um verdadeiro “caldeirão de cultura”, com cerca de 60 inscritos. Na abertura do encontro, o presidente do Fórum Galaico-Transmontano, Fernando Rua Castro, relembrou que esta associação, criada há quatro anos, surgiu em defesa do património, língua, usos e costumes da região, sendo hoje “uma ponte de cultura entre transmontanos e galegos”.

“Neste momento, o Fórum cresceu e está imparável”, garantiu Fernando Castro, considerando que o encontro serviu para unir associados e “ultrapassou as expectativas”, superando o primeiro realizado em Valpaços. Até ao final do ano, o presidente do Fórum promete regressar a Montalegre com mais actividades culturais e a publicação do segundo número da revista semestral Fórum Galaico-Transmontano, que será dedicada a esta terra.

“Tudo o que vocês fazem, tudo o que vocês escrevem é o reforço da nossa identidade e contribuiu para a coesão dos barrosões”, destacou, na abertura do encontro, o presidente da Câmara de Montalegre, Fernando Rodrigues, lembrando que quem transmite a herança cultural às gerações futuras é “quem a põe nas letras”. Para o autarca barrosão, “precisamos de auto-estima reforçada e é preciso olhar para o exemplo da história que vocês escreveram, o sacrifício enorme por que passaram, sobretudo os mais velhos e a força com que singraram, para que sirva também de exemplo nos tempos de hoje para enfrentar e vencer as dificuldades”.

Fernando Rodrigues notou também que este encontro foi “um enriquecimento da própria 13ª Feira do Livro de Montalegre”, que terminou nesse sábado, e, além da venda de obras literárias, “expôs a cultura da nossa terra”. Por último, o autarca agradeceu o contributo da imprensa local para a democracia e o dos escritores que “engrandecem a nossa terra e a nossa gente”, como Bento da Cruz, Barroso da Fonte, Padre Fontes e José Batista. “Temos uma cultura própria e uma história fabulosa que temos passado de geração em geração, fruto de gente que se empenha e passa esse trabalho para os livros. Ler Bento da Cruz é ficar cheio de vaidade e de orgulho”, concluiu Fernando Rodrigues.

Lembrar o amor à terra e o contributo científico de Rogério Borralheiro

A abrir as palestras, o professor de História da Universidade do Minho, José Viriato Capela, relembrou a “obra científica de grande mérito” de Rogério Borralheiro, um professor e investigador natural de Salto que “colocou os concelhos do Alto Tâmega no mapa da cultura histórica e científica” nacional. Além de estudos antropológicos, Rogério Borralheiro dedicou-se ao estudo do municipalismo e do poder autárquico, tendo produzido várias obras sobre o concelho natal, como “Montalegre: Memórias e História”. De resto, o académico, falecido em Julho de 2008, viria a produzir “obras de referência para a historiografia portuguesa”, como três volumes sobre “O Heróico Patriotismo das Províncias do Norte – Os concelhos na restauração de Portugal de 1808”, com José Viriato Capela e o historiador Henrique Matos, também presente no encontro.

Apesar das divergências políticas, tendo Rogério Borralheiro sido vereador da autarquia de Montalegre pelo PSD, o actual autarca socialista Fernando Rodrigues destacou a dedicação do professor à terra, que “deu muito do seu esforço e da sua vida para valorizar a nossa cultura e sempre o melhor contributo à Câmara”, inclusive a de encontrar a melhor solução para a criação do pólo do Ecomuseu de Barroso em Salto.

Depois, foi a vez do escritor Barroso da Fonte apresentar a exposição “Uma História da Imprensa Galaico-Transmontana”, que esteve patente na Feira do Livro de Montalegre, lembrando que “a imprensa regional é a fonte mais fiel à História”, devido à proximidade das fontes e ao conhecimento privilegiado da realidade local. Nesta mostra, estiveram representadas todas as crises políticas, desde a queda da monarquia à revolução do 25 de Abril. Seguiu-se o académico Isaac Estraviz, da Universidade de Vigo, que falou da ligação linguística entre Portugal e Espanha, e sobretudo da sua obra “Santos Júnior, a Galiza e os galegos”, sobre o investigador luso das ciências humanas que dedicou muito dos estudos a Trás-os-Montes, nomeadamente em Carvalhelhos e Curalha, e “foi o português que mais e melhor percorreu a Galiza”, sendo “incompreensível o esquecimento a que foi votado” em ambos os países.

A encerrar as palestras, o escritor e poeta transmontano A. M. Pires Cabral apresentou a nova obra do escritor barrosão Bento da Cruz, “Camilo Castelo Branco por Terras do Barroso e Outros Lugares”, um livro que definiu como “um acto de paixão dupla de Bento da Cruz, por Camilo e pelo Barroso”. Antes do almoço convívio, o encontro encerrou com uma actuação da cantora lírica Cláudia Nelson e da pianista Antónia Brandão.

Sandra Pereira

Nova obra de Bento da Cruz sobre Camilo, “o indivíduo que mais lágrimas fez chorar em Portugal”

“Neste livro, tenho a paixão por Camilo Castelo Branco, que é um dos meus autores preferidos, e que fala muito do Barroso”, terra onde na adolescência o autor de “Amor de Perdição” se familiarizou com os barrosões. Foi desta forma que o escritor Bento da Cruz justificou o lançamento da 19ª obra: “Camilo Castelo Branco por Terras de Barroso e Outros Lugares”.

Na apresentação do novo livro, que esteve a cargo do escritor A. M. Pires Cabral, Bento da Cruz fez jus à sua reputação de exímio contador de histórias e afirmou com convicção que “Camilo Castelo Branco foi o escritor que melhor dominou a língua e foi o mais lido do século XIX”, sendo sem sombra de dúvida “o indivíduo que mais lágrimas fez chorar em Portugal”.

O escritor natural da aldeia de Peireses, no concelho de Montalegre, prestes a cumprir 50 anos de vida literária desde a publicação de “Planalto em Chamas” em 1963, esclareceu que “desde há muito que escrevo sobre Camilo e este livro recolhe parte destes textos”, e também os melhores trechos sobre o Barroso escritos pelo romancista que casou em Ribeira de Pena. “Quando Camilo fala das raparigas do Barroso quase sempre as dá como sendo umas matriarcas, mulheres fortes, muito coradas, …”, notou Bento da Cruz, que confessa a admiração pela linguagem “aldeã” do transmontano que era Camilo, embora nascido em Lisboa.

Para o autarca de Montalegre, Fernando Rodrigues, “Bento da Cruz é dos maiores escritores transmontanos, de grande prestígio e de nível nacional. Tem contribuído muito para a divulgação e a valorização da cultura barrosã, e o poder local tem obrigação de reconhecer o mérito e colaborar no esforço financeiro para acompanhar o trabalho do escritor e o divulgar”.

Sandra Pereira

Barroso da Fonte defende pólo Nadir Afonso em Montalegre

“Nadir Afonso, que é um monstro sagrado da pintura mundial, tem um pai que nasceu em Montalegre”, lembrou o escritor Barroso da Fonte no 2º encontro cultural promovido pelo Fórum Galaico-Transmontano. Em declarações à Voz de Chaves, Barroso da Fonte defendeu, por isso, a criação de um pólo cultural com algumas obras de Nadir Afonso na vila barrosã, à semelhança de Chaves e Boticas, onde já estão a nascer uma Fundação e um Centro de Artes. Segundo o escritor barrosão, criar um núcleo em Montalegre permitia estabelecer “um triângulo Nadir Afonso” no Alto Tâmega.

Notando que Artur Maria Afonso, pai de Nadir Afonso, foi uma figura proeminente nas letras e no jornalismo, na caça e na exploração de minas, Barroso da Fonte aponta que Nadir Afonso “é tão nosso ou mais que os flavienses”, existindo condições para Montalegre ter uma sala com algumas obras. Contudo, Laura Afonso, esposa do pintor nascido em Chaves, já lhe terá explicado existirem contingências como falta de espólio e de espaço, avançou Barroso da Fonte. “Sou bairrista e ver Chaves e Boticas [concelho onde nasceu a mãe de Nadir] com espaços e não a minha terra…”, lamenta o escritor e jornalista barrosão, que já editou um caderno cultural sobre Artur Maria Afonso e reeditou e prefaciou obras do pai de Nadir, que dá nome a uma rua na vila de Montalegre.
S. P.